[RESENHA] Garota em Pedaços – Kathleen Glasgow / Planeta de Livros Brasil

por Biia Rozante
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GAROTA EM PEDAÇOS – Kathleen Glasgow

Sinopse: Além de enfrentar anos de bullying na escola, Charlotte Davis perde o pai e a melhor amiga, precisando então lidar com essa dor e com as consequências do Transtorno do Controle do Impulso – um distúrbio que leva as pessoas a se automutilarem. “Viver não é fácil. ” Quando o plano de saúde de sua mãe suspende seu tratamento numa clínica psiquiátrica – para onde foi após se cortar até quase ficar sem vida –, Charlotte Davis troca a gelada Minneapolis pela ensolarada Tucson, no Arizona (EUA), na tentativa de superar seus medos e decepções. Apesar do esforço em acertar, nessa nova fase da vida ela acaba se envolvendo com uma série de tipos não muito inspiradores. Cansada de se alimentar do sofrimento, a jovem se imbui de uma enorme força de vontade e decide viver e não mais sobreviver. Para fugir do círculo vicioso da dor, Charlotte usa seu talento para o desenho e foca em algo produtivo, embarcando de cabeça no mundo das artes. Esse é o caminho que ela traça em busca da cura para as feridas deixadas por suas perdas e os cortes profundos e reais que imprimiu em seu corpo. Romance de estreia de Katlheen Glasgow, que figurou na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Nele, os leitores vão se emocionar e se inspirar na história da adolescente de 17 anos que, por conta de sofrer de Transtorno do Controle do Impulso, pratica o “cutting” – um distúrbio que afeta um grande número de jovens brasileiros e também personalidades do universo teen, como Demi Lovato e Britney Spears, entre outras.

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É justamente quando leio obras como GAROTA EM PEDAÇOS, que me vem à certeza do quanto o ser humano é frágil, é quando me dou conta real que nosso cérebro é tanto uma benção, quanto uma maldição, ele tem o poder de te erguer na mesma proporção que o de te destruir. E é quando leio esse tipo de obra que também passo a ter certeza do quanto os transtornos, as doenças emocionais são mal compreendidas e julgadas erroneamente.

”Você pode beber, se arranhar, usar metanfetamina, cheirar cola, se queimar, se cortar, se furar, se ralar, arrancar os cílios ou trepar até sangrar. Tudo é a mesma coisa: automutilação. Ela diz que quando alguém nos machuca ou nos faz sentir mal ou indigna ou imunda, em vez de dar o passo racional de aceitar que essa pessoa é babaca ou maluca e que deve levar um tiro ou ser enforcada e que devemos ficar longe pra caralho dela, nós internalizamos a agressão e começamos a culpar e punir a nós mesmas. E, estranhamente, quando você começa a se cortar ou se queimar ou a trepar porque está se sentindo tão bosta e humilhada, seu corpo começa a liberar aquela merda do sentimento bom chamado endorfina, e você então se sente tão doidona que o mundo é como algodão-doce no melhor e mais colorido parque de diversões do mundo, só que sangrento e cheio de infecção.”


Uma jovem sem nome, com memória seletiva, lembranças embaçadas, vivendo em uma clínica psiquiátrica para garotas que sofrem de Transtorno do Controle do Impulso, ou seja, automutilação. Com faixas e curativos por todo corpo, sem conseguir falar e expressar o que está sentindo, pensando e enfrentando é exatamente assim que conhecemos Charlotte. Na verdade descobrimos quem ela é, e como chegou até este ponto junto com nossa protagonista, à medida que sua memória começa a voltar e as lembranças passam a fazer mais sentido. E já aviso, não é tranquilo.

Charlie chegou ao seu limite após a morte do pai e a perda da melhor amiga, foram anos sofrendo bullying, lidando com uma mãe relapsa e precisando enfrentar situações que nenhum ser vivo deveria. Miséria, fome, sede, medo, desespero, angustia, uma bomba relógio preste a explodir, até que explodiu e a deixou em pedaços. Pedaços físicos, e emocionais.  Estar na clínica não a apavora, muito pelo contrário, oferece uma sensação de segurança, ali ela tem o que comer, onde dormir e roupas, mas até isso é temporário em sua vida e antes do que ela imaginava se vê obrigada a buscar um novo caminho. E a obra narra exatamente este processo de ressocialização.

“O corte é uma cerca que você constrói no próprio corpo para manter as pessoas do lado de fora, mas depois você chora para ser tocada. Mas a cerca é de arame farpado. E agora?”


Charlotte luta constantemente contra si e seus impulsos. Os fantasmas que a assombram são cruéis e ainda que um amigo estenda a mão, ela está sozinha. Charlie quer um novo começo, ela deseja ser capaz de superar cada cicatriz, luta por isso, mas também tem consciência de que basta um pequeno balançar para que tudo desmorone. Sua vida passou a ser vivida um dia de cada vez e quando tudo parece estar chegando lá… As coisas ficam ainda mais intensas e complicadas. Tudo que ela já enfrentou e as consequências disto, a tornaram carente, vulnerável e frágil, ela se apega, deseja poder ajudar ao próximo ainda que quem mais precise seja ela, e mesmo que em determinados momentos sua consciência grite para que ela corra para o outro lado, velhos hábitos são difíceis de serem abandonados, principalmente quando se pensa que aquilo é tudo que ela merece e vai ter.

“Eu me corto porque não consigo lidar com as coisas. É simples assim. O mundo se torna um oceano, o oceano cai em cima de mim, o som da água é ensurdecedor, a água afoga meu coração, meu pânico fica do tamanho do mundo. Preciso de libertação, preciso me machucar mais do que o mundo pode me machucar. Só assim posso me reconfortar.”


O que tornou esta leitura tão impactante é que ela é REAL. Enfrentar um problema, se livrar de um vício, seguir em frente, nada disso acontece da noite para o dia, nem todos os casos são de sucesso, muitas das pessoas que passam por problemas emocionais, levam anos e anos, alguns perdem a vida sem conseguir se reerguer e outros vão sempre lutar e tentar seguir um dia de cada vez. No decorrer de sua nova jornada Charlie irá se deparar com muitas pessoas, personagens esses que farão toda a diferença em seu caminho, alguns tentando ajudar apontando direções e outros que mesmo inconscientemente irão lhe puxar para trás, e é ai que ela compreende que seguir em frente, buscar a cura, que a batalha, é individual. É preciso querer, é necessário encontrar a sua própria maneira de lidar com a dor, sem que ela te inflija ainda mais machucados e ela encontra um começo disso na arte.

“Às vezes, ficamos confiantes demais quando as coisas parecem estar indo bem, e podemos não reconhecer os sinais de perigo que poderiam atrapalhar o progresso.”


Kathleen Glasgow foi sensacional, sua narrativa é envolvente, crua, intensa, é tão verossímil que é difícil não se sentir angustiado e tenso em vários momentos ao longo da leitura. Ela nos enlaça em sua teia e nos faz viver toda angustia, dor e desespero, como se fosse a nossa própria alma clamando por socorro.

GAROTA EM PEDAÇOS é um livro reflexivo, que fala sobre TABUS e com uma mensagem muito importante. A autora não adoçou, ela não pegou leve em seu enredo, muito pelo contrário, foi fundo, cutucou a ferida. Te chuta para fora da zona de conforto e grita no teu ouvido para prestar mais atenção. Não se trata de uma história fictícia, não é algo que você jamais terá que enfrentar, ninguém está imune de presenciar e viver uma situação como a de Charlie ou de qualquer outro personagem descrito aqui. Ela fala de superação, mas também aponta os perigos de quem sabe esconder o que está sentindo. É um apelo, é um grito de socorro.

Certa vez escutei de uma amiga próxima a seguinte frase: “A dor física às vezes é mais fácil de suportar que a emocional”. Me recordo que na época não dei o devido valor e atenção ao que ela estava falando, até que um dia essa mesma frase me passou pela cabeça. A dor física te tira à atenção daquilo que está te engolindo, sufocando e te transporta para outro local, e é essa ilusão de euforia, de desligamento em meio a dor, esse entorpecimento que é a armadilha, tudo isso é ilusório e passageiro. Quando você volta para si tudo fica ainda mais complicado – culpa, vergonha, angustia, inferioridade, ressentimento. Não permita que esses sentimentos te engulam, que te façam ir além, esse caminho é perigoso e muitas vezes sem volta.

Sempre será difícil explicar os motivos, as razões, os muitos porquês de alguém chegar a uma atitude extrema como se automutilar, mas uma coisa é clara, não se deve julgar, apontar e menospreza a dor do outro. Ainda que fuja a nossa compreensão, ainda que seja algo complicado de assimilar, o melhor a fazer é oferecer ajuda, apoio, conduzir essa pessoa até um profissional qualificado, que será capaz de diagnosticar e oferecer um tratamento adequado.

Não posso deixar de mencionar a qualidade do LIVRO. Capa linda, condizente com a obra, diagramação simples e impecável. Parabéns Planeta dos Livros.

E antes de me despedir de vocês, preciso deixar mais uma dica – LEIA OS AGRADECIMENTOS -, lá você compreenderá o motivo de tudo ter sido tão real.

Até a próxima! Bye.

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Camila Carvalho 11 de maio de 2017 - 09:57

Oi, Biia.
Eu li esse livro acredito que em uma semana não porque era ruim, mas porque foi difícil ler tudo que Charlie estava passando, ainda mais que já passei por esse problema então tudo tinha muito mais peso.
Mas é um livro extremamente necessário. Fico feliz que mais editoras estão abrindo espaços para livros com temáticas tabus.
Beijo

Te Conto Poesia ♥

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