Invisível – Tarryn Fisher | Faro Editorial

por Biia Rozante
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Tarryn é o tipo de autora que não teme ser ousada. Ela arrisca, sabe como ir até o limite, muitas vezes, como transpor essa linha, entre o que seria aceitável, correto ou não. Ela brinca com nossas emoções sem nenhuma misericórdia. Gosta de nos deixar confusos, por vezes questionando nossa própria sanidade, moral ou princípios, e isso é tão incomodo, louco e incrível que chega a ser surreal. Eu amo isso nela e em suas narrativas.

Margô mora com a mãe em um bairro paupérrimo – Bone -, em uma casa caindo aos pedaços, um lugar frio, escuro e sem vida que ela “carinhosamente” chama de a casa que devora, porque a sensação que ela tem, é que a casa funciona exatamente desta forma, te engolindo, te aprisionando, sugando tudo de bom de quem ali mora. Sua mãe é uma figura distante, alguém com quem ela compartilha um tento e tão somente isso, uma prostituta que atende em casa, que jamais sai, que não a enxerga. Seu pai, ela não faz a menor ideia de quem seja, nem se ainda está vivo. Sua vida escolar está um inferno, as pessoas julgam ela por ser filha de quem é, por morar onde mora então ela está apenas passando por isso até concluir seus estudos, e então… então o que? Ficar presa para sempre ali? Não ter para onde ir? Não saber se terá um futuro? Assumir o posto da sua mãe quando ela não mais puder atender aos clientes? São esses os questionamentos que a sufocam todos os dias.

“(…) Espero pela dor, mas ela não vem. Quero sentir alguma coisa, para saber que ainda sou humana.”


Quando conhecemos Margô ela está com apenas treze anos e vamos acompanhando-a até seus dezenove, que seria o agora. Acompanhamos sua solidão crescente, suas angustias, seus medos, sua falta de perspectiva para o futuro e isso por si só, já é bem assustador. Bone é o tipo de bairro esquecido pelas pessoas, aquele tipo de lugar que fazemos questão de fingir que não existe, por ser mais cômodo e fácil do que encarar de frente. Esquecido pelos governantes, pelas autoridades, um lugar pobre, cercado de criminalidade, famílias lutando para conseguir ter o que comer, onde as pessoas não se importam com o que acontece da porta pra dentro, na verdade, onde as pessoas apenas não se importam. E tudo isso somado ao fato de viver em uma casa que te engole, ignorada pela mãe, pelos colegas, das pessoas a sua volta, Margô é uma invisível, ou pelo menos era, até que Judah aparece.

Judah é um jovem cadeirante que mora próximo a casa de Margô, apesar de sempre ter vivido em Bone, somente agora criou coragem para falar com ela e é aí que tudo muda. Judah desperta algo novo em Margô, faz com ela se sinta viva, notada, corajosa, como se com ele nada pudesse detê-la, ele devolve a ela a vontade de sair de Bone, de ser mais, desejar mais… Ele vira uma chave que até então, Margô não sabia que existia, e nada nunca mais será como antes.

“(…) Quero realizar todos os meus nuncas — sozinha ou com alguém que importe. Não ligo. Só quero viver.”


UAU! Tarryn Fisher tem esse poder de nos deixar sem saber o que falar ou como falar, e INVISÍVEL só comprova isso. Uma leitura complexa, densa, intensa, incomoda, que te faz questionar a sua própria sanidade, com uma crítica social necessária, que te tira da zona de conforto, que embaralha suas emoções, te deixando desesperada, aflita, inconformada e satisfeita… o que é loucura se considerarmos todo o contexto.

Margô é uma jovem solitária, que precisou aprender a se virar sozinha desde muito cedo, aprisionada em um bairro pesado e em uma casa que parece ter vida própria. Ela cresceu sendo ignorada pela mãe e todos a sua volta, observando a cada dia como o mundo e as pessoas que nele habitam podem ser cruéis. A princípio temos a impressão de que mesmo tendo enfrentado anos de negligencia ela lidou bem com isto, é uma jovem inteligente, de humor ácido, que está tentando encontrar o seu lugar, só que então algo muda, e então você passa a questionar se realmente não a afetou, até onde os estragos foram feitos, se ela é doente, louca ou apenas cruel. Uma justiceira que escolhe quem, que julga, que condena e executa a pena, ainda que seu senso de justiça se apresente distorcido. Mas eles mereciam, não é? Ela é só uma vítima da sociedade e de tudo que passou, ou não?

“(…) As pessoas fazem coisas ruins no escuro, sob o olhar vazio da lua. Ela está sorrindo para mim agora, orgulhosa do meu pecado. Eu não tenho orgulho. Eu não sou nada. Olho por olho, digo para mim mesma. Surra por surra.”


Como eu gostaria de poder conversar com vocês sem limitações, falar das cenas, dos acontecimentos e dessecar cada detalhe. INVISÍVELé uma leitura envolvente e inquietante, que mexe com seu emocional e eu atribuo isso, a maestria da autora em criar uma personagem tão complexa. Nós a amamos e odiamos, apoiamos e jugamos, é um turbilhão sem fim. O livro está todo em primeira pessoa e entrar na mente de alguém tão intenso é surreal, amei como a Tarryn conseguiu desenvolver essa personagem com tanta sensibilidade, nos fazendo acreditar na crueza das emoções que atormentam a sua mente, tendo isto como algo verossímil.

Estou até agora impactada pela leitura! A maldade está por todos os lados, dentro de nós, esperando apenas um empurrãozinho para despertar. As pessoas clamam por socorro e seguem sendo ignoradas, silenciadas, oprimidas. São esperanças sendo minadas, quando na verdade, toda vida importa. Pode parecer o maior clichê, algo piegas, mas a verdade é apenas uma, o AMOR ainda é a única resposta. Todas as pessoas merecem ser amadas, porque quem recebe amor, doa amor, ninguém odeia antes de ser odiado. E quando me refiro ao amor, é o sentimento em seu sentido mais literal, amor de pai, de mãe, de amigo, amor-próprio. Ainda temos a casa que devora pra mim é uma figura simbólica, que representa a vida das pessoas menos favorecidas, esquecidas por todos, obrigadas a se contentar com aquilo que tem e pronto, que não recebem as mesmas oportunidades que uma parcela da população. A vida que engole seus sonhos, sua força, sua vitalidade, sua esperança, a vida que se tornou uma gaiola, uma prisão que te sufoca a cada dia.

“(…) Mas a verdade é que as pessoas ignoram todos os sinais de aviso quando estão cegas pela sede de alguma coisa. É melhor não ficar com sede.”


Também preciso mencionar que o livro possui muitos GATILHOS, ele fala sobre depressão, de uma solidão tão intensa que parece dor física, de vingança, de perdas, violência… e justamente por estar em primeira pessoa, é descrito com muita realidade, cru, intensidade e se você estiver em um momento frágil, talvez seja melhor esperar melhorar para ler.

Sinto que falei e falei e que nada disse de fato, é que não posso entrar em detalhes. Caros leitores, o livro é MUITO bom, de verdade e vale muito a leitura. Vai te deixar arrepiado, angustiado, incomodado, por vezes com a sensação de estar ficando louco, que não deve confiar no narrador, e depois pensando que pulou alguma página, mas ao final… leia a nota da autora, mas somente no final. E antes que eu esqueça, ignore a sinopse… SIM, ela limita demais o livro, a história vai muito além, é muito mais, aquilo ali representa apenas o comecinho da história e pronto… é depois disto que as coisas ficam interessantes de verdade.
Parabéns a equipe da Faro Editorial pela qualidade e beleza do trabalho apresentado, que edição linda.

INVISÍVEL – Tarryn Fisher

Sinopse: Margô mora em uma casa caindo aos pedaços, num bairro abandonado, com sua mãe que a ignora há dois anos. Ela se sente invisível, até que a amizade com Judah, seu vizinho cadeirante, muda suas perspectivas e a desperta. Quando uma criança de sete anos desaparece em seu bairro, Margô resolve investigar o caso com a ajuda de Judah e o que ela descobre a transforma por completo. Agora, determinada a encontrar o mal, caçar todos os molestadores de crianças, torna-se a razão de sua vida. Com o risco de perder tudo, inclusive sua própria alma, Margô embarca num caminho sem volta… E o que isso diz a ela sobre si mesma? Por que decidiu fazer justiça? O que a tornou tão invisível? A AUTORA: TARRYN FISHER é apaixonada por histórias sobre vilãs e mulheres de personalidades fortes. No Brasil já lançou Fuck Love, Stalker, O lado obscuro e a trilogia Amor e Mentiras, todos pela Faro Editorial e esteve por aqui na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Tarryn vive em Seattle com o marido e três filhos. Adora dias chuvosos, Coca-Cola, café e uma boa dose de sarcasmo.

Ficha técnica:
Thriller | Tarryn Fisher | Faro Editorial | 1º Edição | 2020 | 256 Páginas | Tradução: Monique D’Orazio | Cortesia | Classificação: 4,5/5 | Onde encontrar: SKOOBAMAZON


Até a próxima! Bye.

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Tertúlia 11 de abril de 2020 - 15:45

Acabei de conhecer o blog e já estou encantado! Parabéns!!
Conteúdo de qualidade.
Abraços,

Victor Wallace
https://tertulialivros.blogspot.com/
instagram: @tertulia_livros

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