Antes que você saiba meu nome – Jacqueline Bublitz | Faro Editorial

por Biia Rozante
0 comentário

Uau… eu vou começar a minha resenha desta forma, deixando evidente o quanto eu gostei desta leitura, ainda que seu enredo não seja “perfeito” para mim. Eu vou explicar certinho este ponto ao longo do meu texto, mas antes de irmos aos detalhes, eu preciso expressar o quanto esta leitura me levou por um turbilhão de emoções e questionamentos, principalmente sobre ser mulher em meio a uma sociedade ainda hoje tão patriarcal, as nossas vulnerabilidades e o quão pouco o estado se importa com o que e quem ele realmente deveria. Ainda preciso te avisar que este livro contém gatilhos, abordando temas como alienação parental, dependência emocional, suicídio, pedofilia, estupro e assassinato.

Ainda agora estou me questionando sobre quem devo apresentar primeiro, Alice ou Ruby… duas mulheres buscando recomeços, e que terão seus caminhos entrelaçados de uma forma traumática e inesperada. Alice recém completou seus dezoito anos, e se encontra mais uma vez em uma situação difícil que exige que ela tome uma decisão rápida, e é assim que ela pega um ônibus para Nova York, com apenas duas bolsas, seiscentos dólares e uma velha câmera furtada. Ela nunca conheceu o pai, sua mãe desistiu da vida e quem se tornou sua responsável simplesmente não se importou, o que fez com que Alice se tornasse ainda mais vulnerável e que “predadores” se aproveitassem de sua fragilidade e necessidade. Entretanto, sua determinação e vontade de viver é contagiante, ela quer uma vida melhor, uma vida digna e Nova York pode significar seu tão sonhado recomeço. Em paralelo, quase que ao mesmo tempo, Ruby também está embarcando para Nova York, só que de avião, fugindo de uma vida infeliz e de enganos dolorosos, um relacionamento que ela percebe sempre ter sido unilateral, o homem que ela ama, com quem tem, ou melhor, com quem teve um relacionamento está noivo e irá se casar, e ela se recusa em ser a outra, em seguir sendo a amante, o segredo de alguém que jamais irá oferecer o que ela oferece de si.

“— Sabe de uma coisa? Quando uma estrela morre, a poeira e gases restantes podem formar uma nebulosa. O que de fato é uma das coisas mais bonitas que você verá. Mas as nebulosas ficam ainda mais interessantes porque também significam regiões onde novas estrelas brilhantes são formadas. Berçários estelares, como as chamam. Então a poeira estelar é o fim e o começo das coisas. Um lembrete galáctico de que nascimento e morte não são tão diferentes.”

Mudança de forma geral, é recebido de maneiras diferentes por cada um. E esse contraste fica muito evidente entre Alice e Ruby. Enquanto que Alice que tem tão pouco materialmente falando, se volta para Nova York como uma oportunidade única e deixa seus olhos brilharem com a perspectiva de um futuro bem diferente do que sempre teve, até ousando pensar em ser feliz, e fazer planos. Ruby se afunda em sua dor, ela tenta se reencontrar, olhar para si com mais carinho, buscar alternativas, mas sempre acaba voltando para o escuro de sua dor, se recusando a sair de sua nova moradia a não ser por duas exceções, comprar bebida para seguir entorpecendo o que sente, ou correr buscando algum tipo de alívio físico. E é durante uma destas corridas, em meio a uma tempestade, que Ruby se depara com Alice, ou melhor, com o corpo de uma jovem morta, próximo ao rio Hudson. A conexão entre ambas é instantânea, tudo que Ruby deseja a partir daí é descobrir o que aconteceu com a jovem, quem ela era, quem fez aquilo com ela e qual o seu nome?

ANTES QUE VOCÊ SAIBA MEU NOME, é o tipo de livro que simplesmente amo ler. Ele é carregado de emoções, reflexões e uma história dolorosa, intensa e real, é palpável, é crua, é o tipo que arrepia. Um Thriller, com drama e uma pitada de sobrenatural, mas antes que esse termo te assuste, termine de ler minhas impressões. O sobrenatural que a história trás, é termos a Alice como a maior narradora da obra, eu te contar que ela está morta não é spoiler, pois isso já consta na sinopse, o fato é que sim, ela foi privada da sua vida muito cedo, roubaram a chance dela ser feliz, o direito de viver seus sonhos, e ela se recusa a “seguir”, sem que pelo menos saibam seu nome, que compreendam quem ela era, e como ela chegou a se tornar um corpo boiando. E ela vai usar a conexão que teve com a Ruby, para acompanhá-la e assim narrar tudo para o leitor.

“Não vá lá. Não faça isso. Saia muito curta, a rua muito escura. Por que você não poderia — com quem você — como você? Quando você sai por aí procurando problema desse jeito. O que exatamente você achou que encontraria?! Perceba todas as coisas que eles nos dizem. Ouça as palavras soando em nossos ouvidos enquanto os corpos se empilham. Enquanto outra jovem é adicionada à pilha de membros, e corações, e esperanças, e sonhos, e todas as coisas que ela nunca fará. Por causa de todas as coisas que ela não fez.”

Ruby ter encontrado o corpo de Alice, como se é esperado foi um choque muito grande, só que mais que isso, ofereceu a Ruby um virar de chave em sua própria vida. Pela primeira vez em muito tempo, pensar no seu ex, que ainda é atual, e seu casamento eminente não é oque ocupa a sua mente, ela sente que precisa fazer algo pela jovem morta. Em outras circunstâncias ambas talvez poderiam ter sido amigas. E passamos a acompanhar seu esforço em descobrir quem ela era, e quem fez aquilo com ela. E nessa jornada, Ruby irá se deparar com pessoas que irão a acolher e ajudá-la em sua missão.

O que mais pegou nesta leitura, é a forma como a autora conseguiu me fazer sentir, eu fiquei angustiada, fiquei desesperada, reflexiva, revoltada, eu só sentia… esse turbilhão de sentimentos me levou as lágrimas algumas vezes, porque eu sou o tipo de pessoa que se coloca no lugar da outra e que tenta validar o que a outra pessoa está sentindo, passando e isso as vezes me drena emocionalmente – até com personagens de livros. Alice era muito jovem e ver o quanto ela queria aproveitar a chance de recomeçar, o quanto ela amava Nova York e só queria uma única oportunidade para ser feliz, te rasga por dentro quando ela é morta tão precocemente. Já Ruby é uma mulher presa em um relacionamento doente, tóxico, e ela nem se dá conta do quanto se tornou dependente emocionalmente de Ash, e o perigo disto se tornar uma obsessão sem fim. É doloroso, é cruel. Não se usa, outra pessoa, ficar no jogo do não quero, mas não largo, é simplesmente inaceitável e desumano demais. E é então que você se pega questionando sobre quantas Alices e Rubys, jovens negligenciadas, abandonadas, maltratadas, violadas, sem nome, anônimas, mortas, MULHERES e deixadas por aí – filhas, mães, irmãs, amigas… Poderia ser qualquer uma de nós.

Outro ponto que foi muito positivo na história é a figura do assassino como sendo alguém “normal” que é algo que ainda se debate muito, como distinguir o bem do mal, é possível obter essa informação apenas ao olhar? O quanto existem crimes de oportunidade, porque se está no local e na hora errada? Existe realmente isso? De como mulheres passam de vítima a culpada em uma piscar de olhos, por serem julgadas, majoritariamente por homens, pelas roupas, palavras, lugares que frequentam e que não estão dentro do padrão de pessoa inocente.

“Ninguém vive apenas uma vida. Começamos e terminamos nossos mundos muitas vezes. E não importa quanto tempo permaneçamos ali, estou começando a perceber que todos queremos mais do que recebemos.”

Eu só não dei cinco estrelas para este livro, porque um personagem especifico me deixou revoltada, ele claramente é um criminoso, só que a autora por diversas vezes tenta “romantizar” suas ações, humanizá-lo. E isso eu não consegui engolir. Ele merecia um desfecho diferente do que lhe foi atribuído. E outro apontamento, é que Ruby, poderia ter sido um pouquinho mais bem trabalhada, poderia ter recebido um pouco mais de atenção e carinho, seu desfecho fica em aberto, e essa ausência de informação faz com que a história da Alice se sobressaia mais que a dela. É muito fácil sentir a dor da Alice e julgar as ações de Ruby e eu não queria ter ficado com essa sensação em nenhum momento. Porque os problemas que ambas enfrentam, o ponto de partida de cada uma é diferente, e a dor é invisível e a gente nunca deve medir a dor do outro pela nossa própria, porque cada um sente diferente. Estar em um relacionamento abusivo, te cega, te consome, e pode e quase sempre gera problemas emocionais, não é superficial, não é leviano, não é uma escolha de quem está passando, ela é tão vítima quanto uma vítima de assassinato.

Enfim… Eu gostei muito da leitura, indico para todos que queiram sair de suas zonas de conforto, que estão buscando por uma leitura mais profunda e intensa, que traga questionamentos e que curta enredo verossímil.

A Edição da Faro mais uma vez está impecável.

FICHA TÉCNICA:

Sinopse: Quando Alice Lee chegou a Nova York aos 18 anos, com apenas 600 dólares e uma câmera furtada, ela estava procurando por um novo começo. Um mês depois, Alice se torna mais uma vítima de assassinato que não pôde ser identificada. Ruby Jones também está tentando recomeçar depois de um relacionamento conturbado. Ela atravessou o mundo em busca de paz, de uma nova oportunidade… até que encontra o corpo de Alice às margens do rio Hudson. A partir desse encontro, as duas mulheres formam um vínculo inquebrável. Alice tem certeza de que Ruby é a chave para resolver o mistério sobre como tudo aconteceu. Ruby, lutando para esquecer a tragédia que presenciou, se recusa a deixar Alice ir… pelo menos até que ela tenha a oportunidade de contar a própria história.

Thriller | Jacqueline Bublitz | Faro Editorial | 2021 | 1º Edição | 272 páginas | Tradução: Sarah Bento  Pereira | Classificação: 4,5/5 | Onde encontrar: AMAZON – SKOOB

Até a próxima! Bye.

LEIA TAMBÉM

Deixe um COmentário