“Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa se viu em sua cama metamorfoseado num monstruoso inseto.”
Como pode um livro tão pequeno se revelar tão impactante? Sim, eu estou falando da novela de Franz Kafka, METAMORFOSE, que apesar da metamorfose que o personagem sofre inicialmente, esse ponto de “delírio, loucura, fantasia” se revela totalmente real e palpável. Ficando ao leitor escolher como irá receber a história, se a levará apenas como uma obra ficcional de fantasia, ou se irá enxerga-la como uma obra que simbolicamente te faz pensar na realidade e refletir sobre questões bem reais. Como boa emocionada que sou, me peguei pensando e repensando no que as letras de Kafka tinham a me dizer.
Gregor Samsa, desperta de seu sono metamorfoseado em um gigante, asqueroso, repugnante e monstruoso inseto. E ele se dá conta a partir do momento que tenta se levantar no dia seguinte, ou seja, ela deita humano e acorda como um bicho. Apesar disto, internamente ele é o mesmo, e com isso todo o peso da situação começa a cair sobre seu colo. Caixeiro viajante, insatisfeito com sua vida, mas muito ciente de sua responsabilidade e posição de provedor em sua família, já que é o único que trabalha para sustentá-los, desde que seu pai perdeu tudo, Gregor sente o pânico ao ser dar conta, de que não será capaz de levantar para pegar o trem e ir trabalhar, logo ele que nunca faltou. E é justamente sua disciplina no trabalho que faz com que o gerente vai até sua casa para entender o que está acontecendo, e é junto com ele que a família toma ciência de que algo errado realmente está acontecendo. A visão assusta a todos que não conseguem compreender o que está acontecendo, nem quanto tempo aquilo irá durar e passamos a acompanhar a reação desta família diante do que o filho se transformou.
“Ao ouvir as palavras da mãe, Gregor se deu conta de que a falta de conversação direta com qualquer ser humano, durante os dois últimos meses, aliada à monotonia da vida em família, deviam ter perturbado seu espírito…”
METAMORFOSE é trágico, inquietante, incomodo e angustiante. Nós começamos a leitura já nos tornando cientes que Gregor está metamorfoseado em um inseto gigante, e que aquilo aconteceu do mais absoluto nada da noite para o dia. Gregor não compreende o porquê, ou como, e nem o leitor, e a narrativa segue e nós nos pegamos tão envoltos no enredo que nem nos damos conta de que essas questões deixam de ter importância.
Alguns pontos chamaram muito a minha atenção. Primeiro imaginar um ser humano, acordar metamorfoseado em um inseto e ainda manter a consciência humana. Gregor está preso aquele corpo estranho, e mesmo assim segue preocupado com o destino de sua família, de como irão se sustentar sem ele, ainda que ele nutra a esperança de que logo voltará ao normal e poderá cuidar de todos, principalmente sua irmã, a quem ele ama muito, e reconhece um talento genuíno e deseja ser capaz de mandá-la estudar em um conservatório e refinar ainda mais sua voz tão única. Só que o tempo vai passando, Gregor se sentindo cada vez mais culpado por estar naquela situação. Sua família não consegue se adaptar ao seu “novo” eu, não existe comunicação mais entre eles, seu pai voltou a trabalhar, até sua irmã precisou arrumar um emprego, a repulsa, a vergonha que sentem de Gregor só aumenta, e eles começam a questionar se não seria melhor que ele morresse.
“— Ele tem de ir embora! — gritou a irmã de Gregor. — É a única solução, pai. O senhor precisa tirar da cabeça a ideia de que aquilo é Gregor.”
De filho amado, respeitado, provedor, para um peso, um fardo que eles precisam tolerar. E é aqui que meu emocionou se destroçou. Para mim foi impossível não enxergar o enredo como uma critica aos valores da sociedade, e como indivíduos e seu papel. Você vale aquilo que você oferece? Tido como valioso enquanto pode contribuir e prover, mas como um fardo na hora que esse papel se inverte. É assim que enxergamos os que fogem de uma situação de “normalidade” dentro das nossas casas; como deficientes, parentes adoentados, idosos. Cansados de lidar com o trabalho que eles oferecem, acreditando de verdade que o peso, a vergonha é tanta que seria melhor que ele morresse? Entende agora porque eu disse que as dúvidas e porquês se tornam irrelevante diante das reflexões?
METAMORFOSE é muito mais sobre como a família de Gregor reage diante da situação do filho, do que de fato sobre ele ter virado um inseto monstruoso. É muito mais que olhar para um homem saudável e trabalhador, responsável e provedor, que antes andava de um lado para outro e que agora está enclausurado em um quarto escuro e solitário, precisando reaprender a existir, sem saber como lidar com coisas básicas do dia a dia como por exemplo, comer, se questionando sobre qual é o seu lugar, qual o seu papel naquela família agora. É incomodo, é desconfortável, porém é brilhante. LEIAM!
“— Muito bem — disse o sr. Samsa —, louvado seja Deus.”
Esse foi meu primeiro contato com Kafka e sua narrativa me prendeu do início ao fim, eu li esta novela do autor em um único respiro. Narrado em terceira pessoa, a obra tem uma linguagem simples e fácil, ainda que o tema seja incomodo e as reflexões desconfortáveis. Vale muito a leitura.
Fica aqui a recomendação desta edição IMPECÁVEL da Faro Editorial, que faz com que a experiência de leitura, se torne ainda melhor.
FICHA TÉCNICA:
METAMORFOSE – Franz Kafka
Sinopse: Edição traz introdução escrita por David Cronenberg, cineasta e diretor de dezenas de grandes produções, entre elas, A Mosca. Metamorfose foi escrito por Franz Kafka em apenas vinte dias. E mais de cem anos depois da primeira publicação, a obra continua a provocar leitores, acender debates, inspirar interpretações que se transformam e ganham novos olhares a cada época. Com uma narrativa aparentemente simples, direta, cheia de absurdos, o autor construiu uma obra farta em camadas; a partir do olhar do homem que virou inseto e de como o mundo ao seu redor reage tão naturalmente a ele, a história traz temas tão universais como a paralisia, a transformação, o despertar no cerco de nossas dúvidas e de nossas relações sociais.
Novela, clássico | Franz Kafka | Faro Editorial | 2022 | Tradução: UNAMA | Cortesia | Classificação: 4,5/5 | Onde encontrar: AMAZON – SKOOB
Até a próxima! Bye.