Vozes do Joelma – Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira, Marcus Barcelos e Victor Bonini | Faro Editorial

por Biia Rozante
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O incêndio do Edifício Joelma com certeza se revelou uma das maiores tragédias da história do Brasil, deixando quase 200 mortos e mais de 300 feridos. Esse acontecimento não ganhou apenas as manchetes de todos os jornais, como marcou o local para sempre com suas muitas histórias e aura amaldiçoada. A verdade, é que o local escolhido para a construção do edifício já havia sido palco de outras tragédias e, portanto, o lugar já seria amaldiçoado desde antes, selando para sempre o destino de qualquer coisa que ali pudesse surgir. Ainda hoje é possível encontrar pessoas que vivenciaram experiencias sobrenaturais e que alegam que tudo que dizem a respeito dele é verdade. Seja os espíritos que rondam os corredores, os múrmuros das covas onde pessoas não identificadas foram enterradas, ou consequências para quem ousou desobedecer a alguma ordem. Se todas essas lendas, ou fatos são verdadeiros, não sabemos, mas tivemos quatro escritores corajosos que muito pesquisaram e tiveram a audácia de buscar explicações para aquilo que não se pode explicar. E o resultado… é no mínimo assustador.

Os mortos não perdoam – Marcos DeBrito

Misturando realidade com ficção, Marcos nos transporta para a mente de um homem que está em seu limite, capaz de tudo para viver em paz com sua amada, que não é aprovada por sua família. Como um grito de basta, ele mata a mãe e as irmãs e as enterra em um poço no fundo de casa. Mas engana-se quem pensa que seu terror termina ai, pois após tamanha barbárie ele precisa agora encobrir seus rastros e sustentar suas mentiras.

Marcos DeBrito é dono de uma narrativa viciante, seu relato é tão cru e palpável que enquanto lemos temos a sensação de estar vendo a cena se desdobrar bem na nossa frente. Estamos dentro da mente do assassino, vendo suas motivações, a raiva crescente e por fim seu desespero. O conto não apenas arrepia como perturba, pois, passa a ideia de que o crime ocorrido poderia facilmente se repetir, como se fosse algo atemporal. Por essa razão todo o ocorrido se revela ainda mais assustador.
Vale ressaltar ainda que o conto de DeBrito se passa antes do edifício ser construído. Já deixando um gostinho do que estaria por vir.

“Seu sonho de um futuro feliz tornara-se um pesadelo sombrio (…) Na cadeia, seria afogado pela água pútrida da decepção, por ter perdido o amor de Isa, do remorso, por ter matado as familiares inutilmente, por ter fracassado na carreira, da angústia, por ter corrompido a sua sanidade.”


Nos deixem queimar – Rodrigo de Oliveira.

Talvez seja o conto mais pesado, pois o autor com maestria traz à tona a “monstruosidade” humana, o lado mais sombrio, egoísta, ganancioso e vil. O que perturba até o último fio de cabelo. A história se passa dentro do edifício Joelma, e dá para nós leitores o que seria a faísca que provocou tamanha tragédia. Rodrigo brinca com o sobrenatural, dando duas faces a um mesmo personagem. É angustiante toda a perseguição e agonizante todo o desespero e medo vivido pelos personagens enquanto tentam fugir das chamas. Sem mencionar que o final é surpreendente.

Este é meu primeiro contato com a escrita do Rodrigo de Oliveira e confesso que fiquei me questionando sem em todas as suas obras ele busca narrar a natureza humana de maneira tão selvagem e bestial. Foi uma leitura perturbadora e arrepiante.

“O derradeiro grito de Samara ecoou à distância. E continuaria ecoando para sempre, até o final dos tempos, pois essa é a verdadeira essência do inferno: a eterna repetição dos nossos piores pesadelos, quer eles sejam reais ou não.”


Os treze – Marcus Barcelos

Já neste conto temos uma aura mais humana e emocional. Que tem como plano de fundo a tragédia do edifício Joelma, mas que se passa realmente no cemitério. Amilton é nosso protagonista e um senhor faz-tudo, que teve uma infância negligenciada e muito difícil, que sempre trabalhou muito e muito mesmo pela sua sobrevivência. Que após conseguir emprego no cemitério, terá que enterrar treze corpos lado a lado, ele só não contava com todas as experiencias sobrenaturais que viria a seguir. Confesso, esse lance de almas penadas… não é pra mim, que medo de virar a próxima página. Ao ler este conto, foi quando decidi que iria terminar de ler o livro de dia.

Esse também foi meu primeiro contato com a escrita do Marcus Barcelos e gostei muito de sua narrativa, apesar de todo o terror, ele consegue nos prender e viciar ao longo da narrativa. Quero frisar que o conto faz referência aos trezes corpos encontrados no elevador do edifício Joelma e que não puderam ser reconhecidos. Mais uma vez ficção e realidade se confundido e criando um enredo show.

“Envolto em pensamentos, lembrei por acaso do que seu Ernane dissera, de como às vezes a gente tem que ajudar as pessoas apenas por ajudar. O velho sabia das coisas… Abri um sorriso que continha um misto de saudade e gratidão, e jurei que guiaria minha vida com base naquelas palavras.”


O Homem na Escada – Victor Bonini

Bonini nos traz para os dias atuais, já com o edifício ocupado ilegalmente por algumas famílias. Nele temos como protagonista uma senhora chamada Solange, que apesar de aparentar normalidade, convive com vozes em sua cabeça. Mas não é apenas as vozes que a atormentam, resultando em pensamentos dignos de um psicopata, ela também costuma ver um homem na escada, com um molho de chaves na mão. Entre erros, loucuras e tentativas vazias de tentar encobrir um assassinato, ficamos questionando o que de fato é verdade ou imaginação.

Complexo, denso e inquietante. Como eu já previa após conhecer a narrativa de Bonini, eu não poderia esperar menos do que algo chocante e um pouco gráfico. É assustador, porém fecha com chave de ouro, uma obra repleta de acertos e leituras surpreendentes.

“(Vazio. Vazio do que mesmo? Só vazio.)”


Dividido em quatro contos VOZES DO JOELMA resgata a memória da tragédia, ao mesmo tempo em que temos quatro grandes autores criando suas próprias versões perturbadoras sobre os mistérios que rondam o edifício. E mais que isso, eles nos levam a questionar e refletir sobre o porquê de tragédias assim acontecerem.

O que mais gostei sobre o livro é que todos os contos misturam de certa forma ficção e realidade, pois existe um flerte com fatos históricos reais que rondam o edifício e sua tragédia. Outro ponto muito marcante é a abertura dos contos, uma pequena introdução feita pelo próprio Tiago Toy,que foi o apresentador deste livro, que já nos prepara pelo que estar por vir, ou seja, ele se apresenta como uma figura sombria que deixa bem claro que o mal da humanidade, é o próprio ser humano,  já nos assustando e arrepiando. Isso sem mencionar a edição fantástica que o livro recebeu… apenas impecável. As imagens, toda a diagramação em si, a escolha dos tons, da capa… maravilhoso, oferece uma experiencia de leitura completa. A Faro Editorial fez um trabalho sensacional e brilhante.

Como deve ter dado para notar, eu gostei bastante do livro, todo o plano de fundo, as referências, os questionamentos e a forma como foi estruturado, seguindo de certa forma uma linha cronológica. Para quem ama aquele tom de suspense, mesclado com terror, que assusta, prende, angustia e te deixa inquieto, vai amar essa leitura. Eu dei cinco estrelas pra obra, porque pra mim os autores cumpriram e atingiram seus objetivos. Eu fiquei com medo, precisei ler a obra de dia, mesmo não sendo um gênero ao qual eu me aventure com frequência, foi uma leitura que chamou a minha atenção. Fora que ficou nítido, todo o trabalho, empenho e pesquisa que eles fizeram para entregar um produto tão lapidado e pronto. Portanto, fica aqui essa dica especial.


VOZES DO JOELMA

Sinopse: Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira, Marcus Barcelos e Victor Bonini são autores reconhecidos pela crueldade de seus personagens e grandes reviravoltas nas narrativas. As mentes doentias por trás dos livros A Casa dos Pesadelos, O Escravo de Capela, Dança da Escuridão, Horror na Colina de Darrington, Quando ela desaparecer, O Casamento, Colega de Quarto, e da série As Crônicas dos Mortos, se uniram para criar versões perturbadoras sobre as tragédias que ocorreram em um terreno amaldiçoado, e convidaram o igualmente perverso Tiago Toy para se juntar na tarefa de despir os homicídios, acidentes e assombrações que permeiam um dos principais desastres brasileiros: o incêndio do edifício Joelma. O trágico acontecimento deixou quase 200 mortos e mais de 300 feridos, além de ganhar as manchetes da época e selar o local com uma aura de maldição. Esse fato até hoje ecoa em boatos fantasmagóricos que envolvem a presença de espíritos inquietos nos corredores do prédio e lendas sobre lamúrias vindas dos túmulos onde corpos carbonizados foram enterrados sem identificação. Algo que nem todos sabem, é que muito antes do Joelma arder em chamas no centro de São Paulo, o terreno já havia sido palco de um crime hediondo, no qual um homem matou a mãe e as irmãs e as enterrou no próprio jardim. Devido às recorrentes tragédias que marcaram o local, há quem diga que ele é assombrado por ter servido como pelourinho, onde escravos eram torturados e executados. E sua maldição já fora identificada pelos índios, que deram-lhe o nome de Anhangabaú: águas do mal. Se as histórias são verdadeiras não se sabe… A única certeza é que a região onde ocorreu o incêndio tornou-se uma mina inesgotável de mistérios. E, neste livro, alguns deles estão expostos à loucura de autores que buscaram uma explicação.

Ficha técnica:
Terror, suspense | Faro Editorial | 2019 | 1º Edição | 288 Páginas | Apresentação: Tiago Toy | Cortesia | Classificação: 5/5 | Onde encontrar: SKOOBAMAZON

Até a próxima! Bye.

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